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sexta-feira, 19 de março de 2010

Depressão - O Abate De Indivíduos








Por: Caio Cesar Penna.


Colaboradora: Carolina P. Roriz Penna*.


Este trabalho teve como suporte básico o dossiê: Depressão a epidemia silenciosa do século 21. Publicado na revista CULT: Editora Bregantini. Nº 140 – OUTUBRO/2009 – ano 12.


Ao consultar o verbete depressão, no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa1, encontramos no campo da datação a seguinte anotação (sXVIII cf. MS1) indicando “a data do primeiro registro conhecido ou estimado” e “a indicação da fonte onde ocorre...” o verbete. É assim que ficamos sabendo que a palavra depressão tem seu primeiro registro datado no século XVII, em uma obra de Antônio de Morais Silva.2


Encontramos para consulta na biblioteca digital BRASILIANA USP a edição do “Dicionário da Lingua Portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Morais Silva natural do Rio de Janeiro”. - publicado em Lisboa no ano 1789. Lá, depressão está definida com simplicidade suficiente para despertar preocupações: o abatimento.


Este trabalho é sobre a depressão, doença que a cada dia abate mais indivíduos ao ponto de ser considerada por alguns autores como uma epidemia. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) “... em 2030 a depressão será a principal causa de incapacitação, à frente inclusive das doenças cardiovasculares”.3


Antes de comentarmos sobre as principais diferenças conceituais entre as duas disciplinas que trabalham com a – a psicanálise e a psiquiatria, é importante esclarecer que a doença depressão não deve ser confundida com alguns outros estados emocionais não patológicos – não doença. “(...) esse termo não deve ser confundido com o luto ou a tristeza, emoções humanas normais, por mais desagradáveis que sejam”.4


A psiquiatria entende a depressão como “(...) uma doença que tem como base uma disfunção química do cérebro (...)”.5 levando à carência ou mau uso das substâncias conhecidas como neurotransmissores (endorfina, dopamina, serotonina, noradrenalina etc.). Afirmativa que nos remete a outra – respeitando as diferenças impostas pela evolução do conhecimento humano. Hipócrates 460-370 a.C.:


O corpo do homem contém sangue, fleuma, bile amarela e negra — esta é a natureza do corpo, através da qual adoece e tem saúde. Tem saúde, precisamente, quando estes humores são harmônicos em proporção, em propriedade e em quantidade, e sobretudo quando são misturados. O homem adoece quando há falta ou excesso de um desses humores, ou quando ele se separa no corpo e não se une aos demais. Pois é necessário que, quando um desses humores se separa e se desloca para adiante de seu lugar, não só este lugar donde se desloca adoeça, mas também o lugar no qual ele transborda, ultrapassando a medida, cause dor e sofrimento. E quando um desses humores flui para fora do corpo mais do que permite a sua superabundância, a evacuação causa sofrimento. Se, por outro lado, for feita a evacuação, a metástase e a separação dos outros humores dentro do corpo, é forçoso que isto cause, conforme o que já foi dito, um duplo sofrimento: no lugar do qual se deslocou e no lugar em que superabundou”. 6


Ainda na concepção psiquiátrica, 40% dos pacientes com depressão têm um fator genético envolvido que associado a um componente psicossocial e psicológico pode ou não desenvolver a doença dependendo da vulnerabilidade genética do indivíduo.5


A psicanálise contrapõe à visão essencialmente biológica da psiquiatria os aspectos subjetivos, vivenciais e a história do indivíduo “(...) considerando-se um espectro que vai desde os estados depressivos considerados normais, ou seja, reações de recolhimento do sujeito frente a dificuldades da vida, por um lado, ou angústias e desequilíbrios advindos de instabilidades internas, até manifestações melancólicas graves, que impedem, inibem as possibilidades do existir”.7 Embora o espectro tenha uma amplitude significativa, a psicanálise identifica alguns traços comuns entre as diversas formas de manifestação da depressão: “(...) a vivência crônica da frustração, determinada por uma conjunção de fatores externos e internos, e a correlação desta com a perda, o desengano ou a decepção na relação com o outro”.8


Para a psicanalista Bolguese: “(...) interessa ao psicanalista compreender a reação depressiva como reveladora de um mal estar do sujeito diante da vida, das condições internas e externas para estruturar e viabilizar a sua vida”.9


Todos os indivíduos vivem momentos ou crises de depressão - é um dos componentes do processo de existir. Momentos estes mais ou menos profundos. Alguns sairão intactos e provavelmente mais fortalecidos para enfrentarem a próxima tempestade – a vida atualmente não é um mar de calmarias. Outros serão assistidos pela psiquiatria, a grande maioria, ou a psicanálise, uma pequena minoria.


A divergência conceitual, entre a psicanálise e a psiquiatria, sobre a depressão implica em diferentes condutas basicamente no que diz respeito à priorização da abordagem ao tratamento – respectivamente, análise ou medicamento. Porém, como diz Dunker: “Assim está nossa paisagem clínica hoje, com muitos pacientes da psicanálise tomando antidepressivos e muitos pacientes psiquiátricos aspirando à escuta de seus sofrimentos”.10 Acreditamos que a abordagem terapêutica deveria ficar a critério do quadro clínico do paciente levando em consideração todas as possibilidades desde o simples aconselhamento sem prescrição de medicamentos ao uso de eletroconvulsoterapia “(...) como nos casos de catatonia, não responsividade a nenhum medicamento e paralisação geral do contato com o outro”.10


Uma abordagem multidisciplinar e multiterapêutica, o que seria a conduta mais correta é inviável nas condições atuais do país – excetuando os indivíduos com alto poder aquisitivo ou aqueles indivíduos com acesso a algumas poucos centros médicos de excelência ligados a universidades. No sistema público de Saúde, como sempre, o problema é mais grave por vários motivos aqui elencados:



  1. Falta de preparo da equipe de Saúde para lidar com o espectro da depressão e a medicação básica específica.

  2. A falta de tempo “para ver e ouvir o paciente”.

  3. A venda, não fiscalizada, e consequentemente indiscriminada de antidepressivos.

  4. O número insuficiente de psiquiatras e a ausência total de psicanalistas no serviço público.


Nesse cenário, a afirmativa está mais do que correta: “Está havendo em nossa sociedade uma medicalização do sofrimento. As pessoas não aceitam mais ficar tristes, ter dor, passar por momentos de angústia. Toma-se remédios para combater emoções normais”.11 Nós acrescentamos: prescrevem-se remédios para combater emoções normais.


Metaforicamente, podemos associar a depressão como bem o fez o juiz de direito gaúcho Afif Simões Neto:


Sem querer me tornar presunçoso, a figura do violão é capaz de explicar essas diferenças anímicas. Qualquer música pode-se tirar das cordas tangidas, desde a valsa dolente até um limpa-banco, de acordo com a vontade de quem a faz ressoar. Enquanto a corda estiver inteira, haverá ruído, harmonioso ou desagradável ao ouvido, divertido ou tristonho. Mas quando a corda explodir, não adianta nem tentar amarrar a parte rompida, pois a sonoridade foi pro saco. Isso seria a depressão. A corda que se rompe sem conserto. O som que se cala. Antes que tal aconteça, toca a vida como se fosse a corda que ainda vibra. Não esperes que ela arrebente nos teus dedos...”12


Finalizando, queremos confirmar que corda de violão não tem conserto. Porém, para a corda da mente humana, independente das condições, todas as práticas possíveis devem ser aplicadas para que o som não se cale.


*Acadêmica de Medicina – UEA.


NOTAS:


1 HOUAISS, A. e VILLAR, MS. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro. Objetiva, 2001. ISBN 85-7302-383X.


2MS – “António de Morais Silva (Rio de janeiro, 1 de Agosto de 1755- Pernambuco, 11 de Abril de 1824) foi um lexicólogobrasileiro. Diplomado em direito civil e canónico pela Universidade de Coimbra, sua principal obra é o Dicionário da Língua Portugueza (1789). Um ano antes, em 1788, ao exilar-se em Inglaterra, fugindo da inquisição, traduziu História de Portugal”. Referências: Redacção Quidnovi, com coordenação de José Hermano Saraiva, História de Portugal, Dicionário de Personalidades, Volume XIX, Ed. QN-Edição e Conteúdos,S.A., 2004. Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/António de Morais Silva.SOUSA, W. Epidemia do desencanto. Revista CULT, Editora Bregantini. Nº 140 – OUTUBRO/2009 – ano 12.


3 CORDÁS, T. Custos e história de uma doença. Revista CULT, Editora Bregantini. Nº 140 – OUTUBRO/2009 – ano 12.


4 MORENO, R. Entrevista, in: Sousa, W. Epidemia do desencanto. Revista CULT, Editora Bregantini. Nº 140 – OUTUBRO/2009 – ano 12.


5 CAIRUS, Henrique. Da natureza do homem Corpus hippocraticum. Hist. cienc. saude-Manguinhos [online]. 1999, vol.6, n.2, pp. 395-430. ISSN 0104-5970. doi: 10.1590/S0104-59701999000300009.


6 BOLGUESE, MS. Entrevista, in: Sousa, W. Epidemia do desencanto. Revista CULT, Editora Bregantini. Nº 140 – OUTUBRO/2009 – ano 12.


7 GURFINKEL, D. Do patológico ao humano universal. Revista CULT, Editora Bregantini. Nº 140 – OUTUBRO/2009 – ano 12.


8 BOLGUESE, MS. , in: Sousa, W. Epidemia do desencanto. Revista CULT, Editora Bregantini. Nº 140 – OUTUBRO/2009 – ano 12.


9 DUNKER, CIL. O urso-polar e a baleia. Revista CULT, Editora Bregantini. Nº 140 – OUTUBRO/2009 – ano 12.


10 GENTIL, V. in: Sousa, W. Epidemia do desencanto. Revista CULT, Editora Bregantini. Nº 140 – OUTUBRO/2009 – ano 12.


11 SIMÕES NETO, A. Tristeza já era. Agora tudo é depressão. Veículo: Zero Hora. Seção: Opinião. 05/01/2010. RS


Perfil do Autor


Médico generalista.

(Artigonal SC #1892192)


Fonte do Artigo - http://www.artigonal.com/medicina-artigos/depressao-o-abate-de-individuos-1892192.html





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