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terça-feira, 20 de julho de 2010

Bioestatística em outras palavras

Livro inova no ensino de estatística com ajuda da filosofia e da literatura em obras de autores como Guimarães Rosa e Machado de Assis


Especiais

Bioestatística em outras palavras

20/7/2010

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – O ensino de estatística envolve fórmulas matemáticas complexas e consiste um desafio para os educadores. Um novo livro tenta facilitar a tarefa ao buscar o apoio da literatura e da filosofia para mostrar a beleza dessa ciência.

Bioestatística em Outras Palavras, de Júlio César Rodrigues Pereira, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), enfoca a aplicação de estatística às ciências biológicas e da saúde, nas quais é essencial ao planejamento, coleta, avaliação e interpretação de dados obtidos em pesquisas. A estatística utiliza teorias probabilísticas para explicar a frequência da ocorrência de eventos.

“A ideia é quebrar preconceitos disseminados no ensino da estatística. Procurei usar a estrutura lógica para tornar o assunto de mais fácil compreensão. A lógica descobre como pensamos e organizamos tais pensamentos e consegue representá-los com fórmulas matemáticas sem reduzi-los a isto, ou seja, fórmulas são representações das ideias, não as ideias”, disse Pereira à Agência FAPESP. O livro teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações.

O médico epidemiologista ressalta que seu livro não pretende ensinar estatística, mas convidar a aprendê-la, tentando oferecer “em outras palavras” uma oportunidade de familiarização com a estrutura conceitual básica da estatística.

A aproximação da literatura com estatística permeia partes da obra, presente inclusive no título “Outras palavras”, que faz uma referência a Guimarães Rosa. “A estatística e a literatura falam sobre as mesmas coisas de formas diferentes. Quando alguém vê essa analogia, começa a perder o preconceito”, afirmou.

Para explicar a relação de existência, Pereira usa uma passagem de Grande Sertão Veredas, em palavras do personagem Riobaldo: “O senhor vê: existe cachoeira; e pois? Mas cachoeira é barranco de chão, e água se caindo por ele retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz o barranco, sobra cachoeira alguma?”.

“Ao citar essa passagem tento mostrar a noção de ‘existência’ para sugerir que a cachoeira só existe na relação da água com o barranco. Com essas analogias, os alunos vão descobrindo e se entusiasmando”, disse.

Para explicar o conceito de mediana, por exemplo, Pereira usa a descrição que Machado de Assis faz da personagem Conceição no conto Missa do Galo: “Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era talvez o que chamamos uma pessoa simpática”.

“Mediana é o ponto que separa um lado do outro das ocorrências. É um ponto que não é nada. Só separa. Mas, no livro, precisamos de dez páginas para enfocar o conceito de média e mediana”, disse Pereira.

“A literatura é o recurso que encontrei, mas conhecer o mundo pela estatística é estabelecer essas relações por meio de alguma representação simbólica, que também poderia ser a música, por exemplo”, disse ao destacar que a obra é destinada a estudantes e pesquisadores sem conhecimentos prévios de estatística.

A obra foi elogiada pelo filósofo Newton Da Costa, primeiro brasileiro a ser membro do Instituto Internacional de Filosofia, de Paris (França), que escreve o prefácio. Segundo Da Costa, o livro de Pereira poderá vir a ser um marco no ensino da estatística “e seu autor merece os maiores elogios pelo seu esforço e pela renovação didática e pedagógica à qual deu origem”, assinalou.

Relações

O livro está dividido em três partes, nas quais são estabelecidas “relações”. “A ideia de organizar a obra em relações vem da tradição da filosofia da ciência, ou seja, da percepção de que conhecer não é outra coisa se não estabelecer relações”, explicou.

No primeiro capítulo, o que usualmente, no ensino de estatística, é definido como “estatísticas descritivas/probabilidades” é chamado pelo autor de “relações de existência”. No segundo, em vez de “testes de hipótese”, tem-se “relações de ordem”. Por fim, “relações de dependência” ocupam o lugar do tradicional “regressão/associação”.

Nas relações de existências, são apresentados os tipos de medidas, conceitos de média, mediana, moda, medida de conjunto, tamanhos da amostra, entre muitos outros.

No segundo capítulo, são analisados os “juízos sobre grande e pequeno, maior e menor”, “Erros de julgamento sobre igualdade e diferença”, entre outros tópicos. Já no último (relações de dependência) o autor apresenta os “juízos sobre causa e efeito”, possibilitando o reconhecimento de dependência e inferência de causa e efeito.

“Ajuizar ordem entre coisas é julgar se uma é melhor ou pior que a outra, se uma antecede a outra, ou seja, diferentes designações de uma relação que pode ser resumida em igual, maior ou menor. Em outras palavras, duas coisas são iguais quando a diferença entre elas é nula e são diferentes quando a diferença não é insignificante”, disse.

Segundo Pereira, a última parte da obra é justamente entender o porquê das coisas. “Depois de ter reconhecido coisas (relações de existência) e a ordem entre elas (relações de ordem), a curiosidade convida-nos a questionar por que algo existe e por que uma coisa é maior do que a outra, ou seja, busca-se a causa ou então teremos de retornar ao problema inicial, que é a questão da existência”, reforça.

O motivo, segundo o autor, é buscar a “simplicidade lógica subjacente a esses procedimentos de análise estatística”, de modo que o estudante possa estar mais bem preparado para seguir marcha “rumo a uma complexidade crescente”.

“A primeira parte, ou melhor, a primeira relação, é a relação com o mundo. O aluno aprende a descobrir se os fenômenos estão de fato ocorrendo. A segunda parte expõe a relação com o que observamos e que permite destacá-los. E a última parte investiga se um fenômeno depende de outro”, disse Pereira.

Segundo o autor, ao contrário da filosofia, a ciência escapa da arguição filosófica sobre a existência das coisas. A representação formal em estatística é feita por números, e as coisas são reconhecidas por medidas que as qualificam por meio de proposições que permitem a construção de um argumento com o qual se pode alcançar uma conclusão.

“A estrutura desse raciocínio é chamada de silogismo e o procedimento pelo qual se alcance uma conclusão é uma regra de inferência, isto é, o silogismo é um procedimento de cálculo entre proposições, e sua conclusão é uma inferência dedutiva, que será considerada válida ou inválida”, disse.

Cada parte tem no final um resumo que, segundo o autor, a critério do leitor pode ser o “ponto de partida ou uma revisão do que estudou”. O livro também traz uma série de exercícios.

“É impossível ensinar todas as técnicas de estatísticas, uma vez que surgem novas necessidades a cada dia com o desenvolvimento da tecnologia, mas se o aluno entender a estrutura conceitual que o livro ensina poderá aprender com muito mais facilidade”, disse o autor.

    Título:Bioestatística em outras palavras
    Autor: Júlio César Rodrigues Pereira
    Editora: Edusp
    Páginas: 424
    Preço: R$ 60
    Mais informações:www.edusp.com.br

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