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sábado, 9 de abril de 2011

Para Refletir

....O rapaz que entrou na escola atirando não se encaixa em nenhum perfil que permita esbravejar. Até onde se sabe, não era traficante, ladrão, fugitivo. Não era militante de nenhum partido, não lutava jiu-jítsu, não era um skinhead, não pertencia a nenhuma torcida organizada. Até onde se sabe, não usava drogas, não bebia, não era pedófilo, não era evangélico, não era muçulmano, não era judeu, não era cristão, não era xiita, não era sunita, não tirava racha na rua, não tinha suásticas tatuadas na pele, não pertencia a nenhuma seita, não era gótico, não era punk, não ouvia Bossa Nova, não usava piercing, não era rico, não era pobre, não era gordo, não era magro, não estava em liberdade condicional, não tinha passagem pela polícia, não vivia no Complexo do Alemão, não era do Jardim Ângela, não morava numa cobertura da Vieira Souto, não era nada. Segundo sua irmã, ele era estranho. Estranho. Seu nome era Wellington de Oliveira, um nome bem brasileiro, há milhares de Wellingtons, Washingtons, Andersons. O Brasil tem um estranho fascínio por W e por nomes que terminam em "on". Wanderson, Jackson, Jobson, Richarlyson. Ele era um Wellington de Oliveira. Quando não se pode culpar traficantes, fugitivos, ladrões, militantes, lutadores, skinheads, nazistas, torcedores organizados, drogados, cristãos, bêbados, pedófilos, muçulmanos, góticos, magros, evangélicos, rachadores, punks, gordos, xiitas, ricos, pobres, nem o prefeito, nem o governador, nem a presidenta, nem o ministro, nem o secretário, nem a polícia, nem o senador, nem o deputado, nem a diretora da escola, nem o médico, nem o professor, culpamos quem? Culpamos quem? Quando não podemos culpar ninguém, chegou a hora de assumir o que somos. Uma espécie fracassada, violenta, agressiva, condenada à extinção. Uma espécie habituada à barbárie, e que não se imagine que "nos transformamos em". Sempre fomos assim, indecentes, obscenos, há séculos nos matando em guerras, inquisições, pogroms, chacinas, massacres, genocídios, atropelamentos, assassinatos, latrocínios, torturas, execuções. E pragas, pestes, terremotos, incêndios, tsunamis, deslizamentos, enchentes. Um moto-contínuo de mortes, mortes, mortes, e vinganças, vinganças, vinganças, ódio. A criança é o pai do homem. Guardo um pequeno cartão com essa frase no meu carro, há anos está lá, era o convite da formatura do meu mais velho no pré-primário. Não o guardo como mantra ou guia espiritual. Está lá porque está lá, porque o carro que nos levou à formatura do pré ainda está comigo, e lá ficaram o cartão e a frase. De vez em quando uso o cartão, de papel de alta gramatura, cartolina, talvez, porque quando o vidro sobe levanta uma rebarba da forração da porta, e o cartão serve para colocar a forração no lugar. É um uso banal, irrelevante, coloco o cartão entre o vidro e a forração da porta, e tudo fica no lugar, tudo volta ao seu lugar. Um uso banal e irrelevante, mas que me faz ler essa frase todos os dias, ou, pelo menos, quando preciso colocar a forração da porta no lugar. A criança é o pai do homem. Wellington ajudou a nos matar mais um pouco hoje. É um erro, Wellington, matar-nos aos poucos. Da próxima vez, Wellington, mate-nos a nós, direto, sem intermediários. Mate o homem, Wellington, não seus pais. por Flávio Gomes



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