Todos
dizem que existe uma alma gémea para cada pessoa. Ele pensou ter
encontrado a sua. Sempre pensou que sim. Ainda hoje mesmo acredita
nisso. Com a alma gémea procurou pelo mesmo destino. Imaginou em
conjunto planos a médio e longo prazo. Viveu o sonho. Imaginou outros
sonhos. Mas por vezes os infinitos de vinte e quatro horas são
caprichosos. O destino ajudado pelo tecer maléfico da obra do demo,
afastou-os. Subitamente. Será que se tinham tornado absurdamente
diferentes? Teria ela deixado de ser aquela que ele achara perfeita?
Teria ele perdido o seu encantamento? Não seria ela a sua alma gémea?
Tudo isto o deixou confuso. Poderia ter-se enganado assim tanto numa
apreciação. Não se poderia confiar cegamente no amor? Mesmo naquele que é
verdadeiro e que dói. Dói porque o amor é de um egoísmo atroz. O
egoísmo de se querer aquela felicidade. Toda e exclusivamente para nós.
Questionou-se,
sobre qual seria a principal característica de uma alma gémea? Ela tem
que ser muito parecida consigo ou muito diferente? A teoria da atracção
dos opostos indicava o lado da diferença. As diferenças são sempre
complementares. Ajudam a tornar a união mais forte. A alma gémea seria
sempre a outra parte do puzzle. Mas porque não procurar na alma gémea
exactamente o mesmo? Seria essa uma boa solução para a poder
identificar? Esta era a teoria exactamente oposta. Procurar alguém que
aprecie exactamente as mesmas coisas que ele. Para isso teria que
assumir que era completo. Que o que lhe faltava na sua vida era apenas a
companhia para viver os momentos que ele gosta de viver. Deveria ser a
alma gémea parecida ou preferencialmente idêntica? Mas seria ele tão
perfeito e completo que não necessitasse de alguém que o complementasse?
Querer apenas uma companheira para partilhar apenas os sonhos dele
seria verdadeiramente amor? Ou não seria apenas um tremendo egoísmo? Na
verdade, ele nunca me chegou a responder a todas estas questões. Apenas
me contou uma história. Exemplificou uma situação simples. Ajudou-me a
compreender.
Num certo
fim-de-semana, ele viajou para um hotelzinho na costa portuguesa. Apenas
mar pela frente. O tempo ajudou o romance. A chuva era intensa. O vento
fustigava seriamente o mar. A chuva obriga ao recolhimento. Coloca-nos
dentro de quatro paredes. Ajuda a criar proximidade. Aquele recato de se
degustar o outro. Talvez a historia que se segue não seja um relato
preciso. Nem sequer exacto. Talvez, nem os dias correspondam a
realidade. Talvez ele tenha contado a sua versão. Mas todas as histórias
têm sempre uma ponta de verdade. Talvez ele, apenas, me tenha querido
fazer compreender. Compreender o que é uma verdadeira alma gémea.
Naquela
pequena vila ele pode perceber o quanto tudo teria sido diferente se
não tivesse ido com a sua alma gémea. Tiveram tempo para se apreciar.
Não perderam tempo com visitas turísticas. Daquelas com hora marcada
para bem cedo. Não percorreram a noite. Não buscaram as multidões
eufóricas de um sábado á noite. Na verdade, foi tudo simples. Como a
própria história em si.
No
primeiro dia, enamoraram mal invadiram o quarto. Não aguardaram por
desarrumar a mala e por assentar a roupa impecavelmente no armário
entreaberto. A exaltação já vinha da jornada de carro. Ali apenas
descarregaram a sua ansiedade. A ansiedade de beijar o outro. De
acariciar todo o corpo. Corpos húmidos. Talvez da chuva. Possivelmente
do desejo. Apenas tiveram tempo de olhar o mar. Revolto. Como os seus
próprios corpos. Fizeram um prólogo para a noite que se avizinhava.
Puseram a garrafa de vinho ao lado da cama. Sorriram. Ninguém pensou em
ir comprar presentes ou lembranças. Todas as lembranças estavam naquele
quarto. Aquilo não foi o cumprir de uma obrigação. O desprazer de fazer o
rotineiro sexo básico. Ninguém se arranjou primorosamente e
detalhadamente para o jantar da primeira noite. O restaurante não era de
primeira. Nem era necessário. È a companhia que faz o ambiente. Na
verdade, ele nem se lembra do que comeu. Apenas se lembra da cara dela. E
da perfeição dos seus seios. Escondidos por detrás de uma qualquer
camisola. Abraçaram-se na avenida deserta. Encontraram o bar perfeito
para acompanhar a conversa fluida. Contaram segredos. Partilharam
emoções. Rememoraram o seu passado. Olharam para o presente. Sonharam o
futuro. Repartiram tristezas passadas e alegrias futuras. Nunca ninguém
olhou para o relógio. Ambos se esqueceram do telemóvel. O mundo só
existia porque o vento fazia agitar as palmeiras junto do mar. Amaram-se
toda a noite. Sem sono. Sem cansaço. So pelo prazer de sentir o outro.
No
segundo dia, acordaram tarde. Fizeram sexo antes do banho. Com a
saudade que quem se despede de um lugar. Ninguém esticou os lençóis.
Ninguém alisou as fronhas. Apenas se enrolaram neles.Com o fogo de quem
deseja o outro. Ele olhou-a a banhar-se. Admirou a sua beleza. Sentiu-se
feliz. Apanhou as toalhas molhadas no chão da casa de banho. Cheirou-as
levemente. O cheiro dela odorou-lhe ainda mais o seu desejo. Existem
cheiros que sobrevivem. Ninguém desprezou o tempo a eleger a roupa que
iria envergar. Esse tempo era excessivamente precioso. Ainda tiveram
tempo para um pequeno-almoço tardio. Beijaram-se o dia todo.
Abraçaram-se. Tocaram-se. Passearam de mão dada. Ninguém planeou uma
visita guiada as sete da manha. Nem poderiam. Tinham feito sexo durante
toda a noite. Não se desgastaram em múltiplas saídas com horas marcadas.
Não olharam para vitrinas iluminadas. Não fizeram mais compras. Não
correram para o hotel porque havia horas marcadas para o jantar. Não se
olharam no vazio dos seus olhos cansados durante a fausta refeição. Não
ficaram em silêncio durante toda a refeição. Não saíram para um pequeno
bar para uma dança leve acompanhada por uma bebida e um regresso
demasiado antecipado. Um regresso para dormir. Eles nunca dormiam
apenas. Agora que ele se recorda, não tiraram uma única fotografia. As
melhores lembranças ficam na memória. Não precisam de papel. Assim nunca
amarelecem com o passar dos anos. Seguiram apenas pela estrada. Sem
rumo e sem pressa. Apenas com aquele ar de tristeza. Apenas saudades de
ver e confundir o ondulado do mar pelo meio do ondulado do cabelo dela.
Você
com certeza já fez uma viagem destas. Eu já fiz. Todos fizemos. E
compreendi o sentido da história. Estou a imaginar o vosso sorriso neste
momento. Comparei-a com todas as minhas pequenas viagens de
fim-de-semana. E percebi o que é ser uma alma gémea. Na vossa mente,
passaram neste segundo todos esses momentos. Os vossos próprios
instantes. Recordaram por um breve segundos as circunstâncias e os
ensejos que possuíam na altura. Também vocês já compreenderam. È tudo
tão fácil de perceber. Não é necessário fazer nenhum teste de
compatibilidade. Esta tudo ali naquela história. Ele tinha-me revelado
tudo. Sem responder a uma única pergunta. Só me ocorreu uma palavra.
Encantamento. O encanto, de quando você encontra uma pessoa que nos faz
feliz. É alegrar-nos, ao ouvir a voz daquela pessoa. È observa-la, a
passar e simplesmente sorrir. È tocá-la, e sentir seu calor. É
abraçá-la, e sentir uma perfeita harmonia com a vida. É fazer amor, e
sentir que o mundo parou. Nada mais existe naquele momento. Apenas duas
pessoas. Dois corpos. Duas emoções. Um sentido. Encanto é saber e ter
uma certeza imensa. Apesar de tudo e de todos. Encanto é passar horas
deitado na cama, no chão, na relva, na praia, contando histórias e rindo
até chorar. Encanto é achar que o outro é perfeito mesmo sabendo que
isso não existe. Este encantamento é uma operação matemática. Remete
para a adição. Soma um mais um. Mas o resultado nunca é dois. Porque o
encantamento valoriza. Inflaciona os sentimentos. Estimula a pele.
Aquece-nos. Muito. Por vezes demasiado.
Por
muito que se queria o encantamento nunca se perde. È claro que eu
acredito em fabulas. E porque não? Apenas temos que ter muito cuidado
com nossas mudanças. Temos de estar constantemente abertos à paixão e ao
amor pelo outro. Não nos fecharmos nos nossos problemas. Não transpomos
para os outros. Não deixar a nossas tristezas enevoarem-nos a nossa
visão do encantamento. Não ter medo de se entregar. E mesmo que isso
aconteça o encanto permanece. Inerte e majestático. Apenas porque é puro
ilusionismo. O coração faz de pomba que sai da cartola. E sai sempre.
Apenas pela presença da nossa alma gémea. Não dói deixar-nos encantar.
Como a própria palavra indica, é apenas algo de mágico. Mas não é uma
ilusão.
E você já encontrou a sua
alma gémea? Já se encantou eternamente? Espero que a história tenha
ajudado a clarificar a sua visão. E porque não o seu coração. Não quer
experimentar?
Fonte :João Carlos Santos -diassantoswordpress.com
0 comentários:
Postar um comentário