Em
plena batalha um oficial reuniu seu batalhão e gritou: “Soldados, agora
é homem contra homem!” Um jovem soldado da infantaria respondeu na
mesma altura: “Mostre-me, então, um homem! Talvez, eu possa com ele
chegar a um entendimento!”
O
agir humano não está simplesmente limitado pela natureza. Sem dúvida
alguma, a natureza possui suas leis e sendo estas não respeitadas temos
que, direta ou indiretamente, nos confrontar com suas conseqüências. A
questão não é, porém, a quebra das leis naturais, mas como realizamos
isso e quais são estas conseqüências. Portanto, o ser humano precisa
conhecer a natureza de seu universo para transformá-la se assim o deseja
sem que haja conseqüências ruins ou até mesmo drásticas a ele e ao
planeta. Mas não é somente a natureza o objeto de transformação do ser
humano. Nós possuímos a extraordinária capacidade da auto-transformação.
A transformação humana é inevitável, já que o ser humano está na
natureza e uma de suas leis é a dinâmica da mudança. Com o passar do
tempo nos modificamos, ficamos mais velhos, nosso corpo se transforma,
nossa mentalidade muda, nossa forma de lidar com as coisas, situações e
pessoas não é mais a mesma. Neste universo em movimento, o desafio do
ser humano está na realização, ou seja, na condução da
auto-transformação. Quando falamos em uma auto-transformação não estamos
nos referindo somente à capacidade de um individuo de se
auto-transformar, mas também, e ao mesmo tempo, de transformação do ser
humano, da sociedade humana, da humanidade. Como o ser humano individual
se transforma da infância à velhice, a sociedade humana também passa
por transformações. E como um individuo pode iniciar sua vida repleto de
esperanças e chegar a uma velhice com uma postura pessimista e amarga
diante da vida, assim também a sociedade pode passar por momentos
férteis e de bem-estar e mais tarde se transformar em uma sociedade
decadente, com valores desumanos, uma cultura do desrespeito, do egoísmo
e sem a socialização de suas riquezas. Fundamental é compreender que a
capacidade do individuo de se auto-transformar está associada à
possibilidade da transformação da sociedade. Estes dois níveis de
auto-transformação, a individual e a social, estão intimamente ligadas.
A
auto-transformação do ser humano não está simplesmente dependente de
sua vontade. Outros fatores influenciam na possibilidade de conduzir a
auto-transformação tanto do indivíduo como da humanidade: família,
religião, escola, Estado, aplicação das leis, economia, acesso a um
tratamento de saúde, trabalho, arte, lazer, ciência, filosofia, etc.
Para que o ser humano possa ter o prazer de dirigir sua
auto-transformação é necessário que ele tenha uma sociedade que seja um
espaço de liberdade. E liberdade não significa apenas o ato de pensar e
de se locomover. A liberdade está condicionada pelo capital, pelos
valores transmitidos pela família, pela educação assimilada na escola,
pelo retorno dos impostos pagos através de um Estado honesto, pela
aplicação de leis que tragam a sensação concreta de segurança, por uma
economia que permita a socialização das riquezas, por uma qualidade de
vida, na qual o ser humano possa fazer uso de todas as suas
potencialidades. Para se obter esta liberdade, por sua vez, é necessário
que o indivíduo modifique a sua visão de mundo, a sua compreensão sobre
a vida humana e o universo. Justamente através de uma mudança do
significado que possuímos sobre as coisas que nos circundam, se inicia a
possibilidade de uma verdadeira e ampla auto-transformação. Sócrates,
por exemplo, fez uma experiência de transformação dos significados em
sua sociedade. Ele conseguiu mostrar a seus contemporâneos que existem
dois níveis de compreensão das coisas: o primeiro é o nível da linguagem
cotidiana e o outro o nível reflexivo das palavras que utilizamos. No
primeiro, as palavras são simplesmente expressadas sem uma definição
clara de seus significados. Utilizamos palavras como amizade,
democracia, honestidade, direito sem refletirmos sobre o que elas, na
verdade, significam e, portanto, permanecemos somente no plano do
discurso. Se permanecemos neste primeiro nível somos apenas seres
“falantes” e através da fala não exigimos concretamente uma
transformação da realidade e nem nos comprometemos com pessoas e
situações. Quando seus contemporâneos utilizavam a palavra “política”,
Sócrates imediatamente interrompia o discurso indagando sobre o
significado desta palavra. O que é política? O que é fazer política?
Para que serve a política? Quem faz política? Ao deixar o universo
superficial do discurso, Sócrates introduzia seus contemporâneos no
segundo nível de compreensão das coisas, no significado das palavras. O
questionamento sobre a palavra que compõe o discurso é o início de uma
revolução que transforma o ser humano e, por conseqüência, a sua
realidade. Somente desta forma podemos conduzir nossa auto-transformação
e contribuir para uma auto-transformação de nossa humanidade. Portanto,
faça como Sócrates: questione!
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