Se nos reportarmos ao Mito do Andrógino*, de Platão, podemos perceber que ele nos conta sobre um tempo em que havia um ser esférico de conformação e constituição em duplicata como se houvesse naquele corpo a fusão de dois seres humanos e que em determinado momento, por inveja e medo do confronto das forças e poder, os deuses decidiram separá-los, tornando-os, então, frágeis e partes daquilo que antes era o todo. Psicologicamente, como entendemos esta situação?
Aquela conformação e constituição dava ao Andrógino* a sensação de completitude e onipotência, a ponto de se sentir como deus, com força e poder de desafiar os próprios deuses do Olimpo. Com a separação houve um desequilíbrio – a leitura psicológica nos faz entender que houve um desequilíbrio psíquico – dividiu-se, o que antes era único, em dois. Este desequilíbrio psíquico foi decorrente desta sensação de perda da Totalidade. O que acontece, então?
Num primeiro momento tenta-se a adaptação à situação, mas como seres humanos não nos conformamos passivamente, e, como seres inteligentes que somos, buscamos alternativas para solucionar tal desequilíbrio – nos colocamos ativamente à procura da nossa parte tão cara e perdida. E por que esta parte perdida nos é tão cara?
Porque nos dava a sensação de Totalidade e, narcisicamente, de onipotência: perdê-la é nos tirar esta sensação de ser um deus caído na Terra. Então, reencontrar aquela parte – nossa Alma Gêmea – perdida, é resgatar a sensação de Totalidade e onipotência.
Será que é por isso que é tão difícil, para a grande maioria, conseguir encontrar – no Outro – sua Alma Gêmea? Ou será que não é exatamente no Outro que está nossa fração perdida? Então, onde estará? Jung diz que temos tudo dentro de nós.
Então, podemos deduzir que devemos, sim, procurar esta parte perdida dentro de nós mesmos.
Se entendermos o que Platão diz neste Mito, sobre sensação de ser fração do ser humano – Andrógino* – que já fora; fazendo um paralelo com o que Jung diz, sobre se ter tudo dentro de nós próprios, veremos que esta busca está na direção errada.
Jung nos fala sobre o SELF. Que o SELF seria a Totalidade psíquica, abrangendo a consciência e a inconsciência.
Quando nascemos, nascemos como SELF, nascemos andróginos: até então vivemos em plenitude, dentro do útero materno. Ao nascermos há, num primeiro momento, um corte físico: o do cordão umbilical e, em seguida, conforme vamos desenvolvendo consciência, um corte psicológico.
Este corte psicológico seria o corte do SELF – da Totalidade para nos tornarmos partes. O que, antes, éramos um ser único, pleno, sem nenhuma necessidade – auto-nutridos pelo cordão umbilical e imersos no líquido amniótico, tornamo-nos, ao nascer, um ser dividido, carente e imerso na necessidade de sobreviver a qualquer custo. Trazemos, então, a lembrança intuitiva de que já houve, um dia, aquela sensação de completitude, totalidade e onipotência. E a queremos de volta!
Para Jung o desenvolvimento da consciência acontece com a eleição, ainda inconsciente, de algumas qualidades com as quais sabemos que somos reconhecidos, aceitos e amados por tê-las, identificando-nos, e, com a supressão e repressão, também inconsciente, de algumas qualidades que rejeitamos como sendo nossas, porque não somos reconhecidos, aceitos e amados por possuí-las ou porque não nos reconhecemos atuando-as. De um ser total, tornamo-nos, divididos, em Eu e não-Eu – consciência e inconsciência.
A consciência é o senso do Eu – concepção da nossa Identidade – composta de Ego e Persona. O Ego conteria aquelas qualidades que eu sei que tenho – mesmo que não sejam tão nobres, mas, eu sou assim!. Já a Persona, significa máscara. (Jung tirou este termo do Teatro Grego antigo, onde os atores para representar qualquer personagem utilizavam-se de máscara para identificá-lo.) Portanto, Persona abarcaria algumas qualidades do Ego e algumas qualidades que eu utilizo exclusivamente em situações sociais, formais, sem qualquer intimidade e para me apresentar às pessoas. Aquelas atitudes tudo pelo social!. Então, com as qualidades do Ego e da Persona formamos nosso senso de identidade, o nosso Eu. Quando me descrevo utilizo tais qualidades (quando falo em qualidade, falo tanto no sentido positivo quanto no sentido negativo).
E aquela parte que suprimimos e reprimimos da nossa consciência, toda aquela parte que rejeitamos e que nos rejeitaram quando a apresentamos ao nosso mundo de então, vai para a inconsciência, formando-se a Sombra Pessoal. Mesmo aquelas qualidades e talentos que admiramos no Outro são suprimidos e reprimidos em nós, caso, por alguma razão, não passe a priori pelo crivo da nossa Identidade.
Então, a formação da nossa Identidade, do nosso Eu, acontece com a seleção e a exclusão de qualidades com as quais, (por algum sistema de crença inconsciente tal como necessidade de amor, de reconhecimento, de aprovação das pessoas de quem precisamos para sobreviver...) ocorre a Identificação.
Jung nos fala sobre Arquétipos, que seriam modelos típicos de ser, a partir dos quais, no processo de desenvolvimento da consciência/inconsciência, instituímos representações – inconscientes – de tais modelos, com os quais atuamos no decorrer da nossa vida de acordo com as exigências das situações correspondentes. Seria como que um script, com características estabelecidas, a priori, e que temos para cada situação de vida.
Falando numa linguagem atual, Arquétipo seria como um programa da internet, amplo e abrangente, do qual fazemos download, mas apenas utilizando aquilo de que necessitamos para que o nosso programa de computador funcione.
Dentro da situação amorosa, homem/mulher, Jung nos apresenta dois arquétipos: Anima e Animus. Anima seria a porção feminina no homem e, Animus, a porção masculina na mulher.
Para Jung, o homem tem sua identidade consciente associada à energia masculina e tem sua contraparte sexual no inconsciente, a Anima, sua energia feminina. Enquanto que a mulher tem sua identidade consciente associada à energia feminina e sua contraparte sexual, também no inconsciente, o Animus, sua energia masculina. O que acontece em relacionamento homem/mulher através deste enfoque junguiano?
Para Jung, as relações humanas ocorrem através de Identificação/Projeção – Eu e o Não-Eu – Eu e o Outro.
Como já foi dito, Identificação é tudo aquilo que se refere à noção do Eu. Enquanto na Projeção estão todas as qualidades (positivas e negativas) avessas à noção do Eu.
Existiriam dois tipos de Projeções: a Projeção Positiva e a Projeção Negativa.
Na Projeção Positiva percebemos que o Eu projeta no Outro partes do seu Eu, de sua Sombra e de sua Anima ou do seu Animus, dependendo se for homem ou mulher. A projeção de partes do Eu proporciona o sentimento de afinidade – aquilo que eles têm em comum. A projeção das partes da Sombra leva o Eu a ver as diferenças que há entre eles, as arestas que terão que aparar, as incompatibilidades... e, por fim, a projeção de parte de sua Anima ou de seu Animus, reconhece no Outro sua contraparte sexual.
Na relação onde ocorre a Projeção Positiva busca-se a complementação, ou seja: completar o que temos a ilusão de não ter. É através da Projeção Positiva que admiramos, respeitamos, amamos e/ou nos apaixonamos por alguém. É a partir deste tipo de projeção que acontece desde a simpatia leve até a paixão avassaladora; tudo vai depender do grau e das partes projetadas.
Então, quando um homem busca uma mulher, ele, na verdade, busca sua Anima (sua “mulher” interna) e que quando uma mulher busca um homem, ela, realmente, procura seu Ânimus (seu “Homem” interno).
Quando uma mulher se apaixona por um homem, ele terá algumas características determinantes de seu Animus, se essas características forem essenciais para ela, (no seu entendimento do que é ser um homem), ela entenderá que encontrou “o homem de sua vida”. O mesmo acontecerá com um homem quando se apaixona por uma mulher.
Na Projeção Negativa é o caso clássico da antipatia, onde o Eu projeta no Outro, apenas a parte negativa de sua Sombra e de sua Anima ou de seu Animus. Quando olhamos para alguém e falamos: “Nada a ver!!” Não conseguimos sentir haver a menor possibilidade de nos relacionar com aquela pessoa, pois não conseguimos ver nem um tipo de afinidade, vendo às vezes, muito pelo contrário, tipos de pessoas absolutamente diferentes, que acreditam em coisas diferentes e vivem estilos de vida totalmente diferentes.
A Projeção Negativa também pode ocorrer apenas depois que passa a “febre” da paixão, onde só ocorre única e exclusivamente a Projeção Positiva, com alto índice da projeção das partes positivas do Eu e da Anima, ou do Animus, e onde a projeção da Sombra contém, predominantemente, elementos e qualidades que admiramos, apesar de acreditar não tê-los (o Outro tem!). Então, quando passa a “febre” da paixão (produzida pela Projeção Positiva), surge, imediatamente, a Projeção Negativa (como se fosse uma ressaca), com a mesmo rapidez com que aconteceu a primeira.
Precisamos nos dar conta de que, no relacionamento humano, a soma do Eu + Outro é igual a Nós. Somos Um Indivíduo que num relacionamento se soma à mais Um Indivíduo obtendo o total de Dois Indivíduos se relacionando. Não somos metade de um. Num relacionamento somos uma somatória que tem como resultado, no mínimo, dois. (Afinal, levamos conosco aquele “pacote” completo de Eu, Sombra e Anima/Animus – e o Outro, idem!). E, portanto, isto exige-nos – a ambos – capacidade de adaptação, de fazer concessão e grande dose do “quesito” doação.
Doar? Mas, doar o quê? AMOR!
Jung já não nos disse que temos tudo dentro de nós?
O Mito do Andrógino*, que Platão nos apresenta, demonstra que a verdadeira carência que temos na vida é do ‘Outro’ na nossa vida, que se deu através daquele corte divino.
Jung nos demonstra através de sua teoria que essa sensação de falta, que vivemos, na verdade, é a falta das qualidades inconscientes, e que temos dentro de nós – suprimidas e reprimidas no desenvolvimento da consciência/inconsciência – corte, divino e necessário, para a formação da Individualidade e da Personalidade (reforçada e estimulada pela educação, por nossos pais e educadores).
Até agora não se falou daquele “detalhe” tão perseguido na vida: o Amor; a necessidade de ter amor através da relação... a necessidade de ser amado por alguém.
O que é o Amor? O que significa o Amor para mim? Como entendo que tenho o Amor em minha vida? Como decodifico o Amor nas situações?
Todos temos uma idéia abstrata e, muitas vezes, difusa do que é o Amor, mas poucos conseguimos identificar quando o temos em nossa vida.
Jung diz que onde temos Amor, não temos Poder, e, onde temos Poder, não temos Amor.
Um relacionamento torna-se de ALMA quando há Amor e generosidade como ingredientes na sua base e abrimos mão do Poder de modificar o Outro para que se adeqüe às minhas necessidades e ao meu Eu. O grande ingrediente capaz de facilitar a adaptação e as concessões tão necessárias às relações é o AMOR.
É o AMOR que nos ajuda a proporcionar e/ou recuperar o equilíbrio nas relações, seja Eu comigo mesmo ou Eu com o Outro.
É o AMOR que pode nos dar consciência de que não encontraremos alguém “pronto” para que possamos nos relacionar, mesmo que seja nossa “Alma Gêmea” – não o encontraremos “pronto”, pois, segundo Jung, todo “encontro” é transformador. Transformamos e somos transformados em toda e qualquer relação e situação de vida em que estamos envolvidos.
O AMOR deve ser o recheio deste sanduíche que se chama relacionamento amoroso – como o nome já diz: é um relacionamento de AMOR.
E, quando, verdadeiramente, estabelecemos uma relação amorosa, temos a sensibilidade para perceber o Outro como distinto e diferente do meu Eu; não buscando no Outro os suprimentos que nós mesmos devemos nos dar.
Quando, verdadeiramente, estabelecemos uma relação amorosa, estabelecemos uma relação de doação e de troca: Eu dou o Meu AMOR e o Outro me dá o Seu AMOR. Não há medições nem competições de quem dá mais, simplesmente, trocamos... simplesmente, aceita-se o que o outro tem para nos dar e como ele o pode!
A nossa Alma Gêmea é aquela pessoa com quem estabelecemos uma relação de respeito, cumplicidade e real intimidade, cultivada com Amor.
Eu o(a) respeito e o(a) aceito como ele(a) é, “apesar” de ser diferente do meu Eu.
Somos cúmplices, isto é, acreditamos e apostamos um no outro e na relação que temos. “Comungamos” de sonhos e projetos comuns para a nossa vida em comum, sem perder de vista nossos sonhos e projetos individuais.
Cultivamos real intimidade, sem invasão do espaço individual de cada um. Não impomos nossa presença, nem nossas “verdades”. Compartilhamos a presença um do outro em nossas respectivas vidas. Apresentamos nossas crenças, sentimentos e verdades que são acolhidas pelo Outro e vice-versa.
E... deixamos o tempo fazer o resto e “modelar” esta relação.
Isto, para mim, é viver o Amor com a nossa Alma Gêmea.
Fonte:Maria Aparecida Diniz Bressani
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