"Nenhuma sociedade no passado ou no
presente vive sem uma ética. Como seres sociais, precisamos elaborar
certos consensos, coibir certas ações e criar projetos coletivos que dão
sentido e rumo à história. Hoje, devido ao fato da globalização,
constata-se o encontro de muitos projetos éticos nem todos compatíveis
entre si. Face à nova era da humanidade, agora mundializada, sente-se a
urgência de um patamar ético mínimo que possa ganhar o consentimento de
todos e assim viabilizar a convivência dos povos. Vejamos, suscitamente,
como na história se formularam as éticas.
Uma permanente fonte de ética são as
religiões. Estas animam valores, ditam comportamentos e dão significado à
vida de grande parte da humanidade que, a despeito do processo de
secularização, se rege pela cosmovisão religiosa. Como as religiões são
muitas e diferentes, variam também as normas éticas. Dificilmente se
pode fundar um consenso ético, baseado somente no fator religioso. Qual
religião tomar como referência? A ética fundada na religião possui,
entretanto, um valor inestimável por referi-la a um último fundamento
que é o Absoluto.
A segunda fonte é a razão. Foi mérito
dos filósofos gregos terem construído uma arquitetônica ética fundada em
algo universal, exatamente na razão, presente em todos os seres
humanos. As normas que regem a vida pessoal chamaram de ética e as que
presidem a vida social chamaram de politica. Por isso, para eles,
politica é sempre ética. Não existe, como entre nós, politica sem
ética.
Esta ética racional é irrenunciável mas
não recobre toda a vida humana, pois existem outras dimensões que estão
aquém da razão como a vida afetiva ou além como a estética e a
experiência espiritual.
A terceira fonte é o desejo. Somos
seres, por essência, desejantes. O desejo possui uma estrutura infinita.
Não conhece limites e é indefinido por ser naturalmente difuso. Cabe ao
ser humano dar-lhe forma. Na maneira de realizar, limitar e direcionar o
desejo, surgem normas e valores.
A ética do desejo se casa perfeitamente
com a cultura moderna que surgiu do desejo de conquistar o mundo. Ela
ganhou uma forma particular no capitalismo no seu afã de realizar todos
os desejos. E o faz excitando de forma exacerbada todos os desejos.
Pertence à felicidade, a realização de desejos mas, atualmente, sem
freios e controles, pode pôr em risco a espécie e devastar o planeta.
Precisamos incorporá-la em algo mais fundamental.
A quarta fonte é o cuidado, fundado na
razão sensível e na sua expressão racional, a responsabilidade. O
cuidado está ligado essencialmente à vida, pois esta, sem o cuidado, não
persiste. Dai haver uma tradição filosófica que nos vem da antiguidade
(a fábula-mito 220 de Higino) que define o ser humano como
essencialmente um ser de cuidado.
A ética do cuidado protege, potencia,
preserva, cura e previne. Por sua natureza não é agressiva e quando
intervem na realidade o faz tomando em consideração as consequências
benéficas ou maléficas da intervenção. Vale dizer, se responsabiliza por
todas as ações humanas. Cuidado e responsabilidade andam sempre
juntos.
Essaa ética é hoje imperativa. O
planeta, a natureza, a humanidade, os povos, o mundo da vida
(Lebenswelt) estão demandando cuidado e responsabilidade. Se não
transformarmos estas atitudes em valores normativos dificilmente
evitaremos catástrofes em todos os níveis. Os problemas do aquecimento
global e o complexo das varias crises, só serão equacionados no espírito
de uma ética do cuidado e da responsabilidade coletiva. É a ética da
nova era.
A ética do cuidado não invalida as
demais éticas mas as obriga a servir à causa maior que é a salvaguarda
da vida e a preservação da Casa Comum para que continue habitável."
Autor:Leonardo Boff
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