No verão, quando estou na praia, aprecio quase tanto os banhos
como a observação da multidão a salpicar-se, a correr, a gritar,
a bronzear.
Recordo-me ter passado horas a observar assim crianças a
brincar longe das ondas, lá onde a areia começa a secar.
Construíam castelos e cada uma defendia o seu, proclamando:
"Este castelo é meu."
Admirava o poder da sua imaginação: não pensavam nem um só
segundo no aspecto efémero das suas construções. Eram "realmente"
donos de castelos.
Aliás, como numa cidade bem organizada, os bens estavam
separados uns dos outros e o pequeno grupo não admitia erros
quanto ao desrespeito dos limites de territórios.
Uma das crianças, no entanto, mais temerária, ataca aos
pontapés o castelo do vizinho, destruindo-o completamente.
O dono, enraivecido, puxa os cabelos do agressor, dá-lhe
bofetadas e berra: "Ele destruiu o meu castelo. Venham cá,
vocês todos, ajudem-me a castigá-lo."
Um rancho vem para ajudar. Batem no criminoso caído no
chão... Vagamente conscientes de que foi feita justiça,
recomeçam a brincar com os seus castelos, cada um avisando:
"Este castelo é meu e de mais ninguém. Não se aproximem!
Não lhe toquem!"
Observei-as até muito tarde, até o sol se pôr e as ondas
virem lamber os primeiros contrafortes dos seus reinos de
areia. Quando começou a escurecer, as crianças agarraram
nas pás e nos baldes e foram para casa.
Já ninguém se preocupava com o que podia acontecer ao
seu castelo. Uma espezinha uma construção, a outra faz
cair a sua com as próprias mãos. Já ninguém se queixou.
.o0o.
E nós? Seremos diferentes destas crianças tirânicas?
Todos nós nos sentimos donos das nossas casas, dos nossos
carros, por vezes até mesmo das pessoas com as quais vivemos.
Estamos prontos a defender os nossos bens até com
violência se for necessário. Portanto, tal como estas
crianças, estamos implicados num jogo do qual estabelecemos
arbitrariamente as regras, mas para o qual não haverá nenhum
vencedor.
Porque, tal como o mar vem inexoravelmente destruir os
castelos de areia, o tempo alcançar-nos-á e os nossos bens
desaparecerão.
Portanto, é necessário saber viajar ligeiro e só conceder
aos bens materiais a importância que eles merecem.
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"O proprietário tem uma casa e o viajante tem mil".
(Provérbio Persa)
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