
 
  É muito  estranho o tempo que estamos vivendo agora. Um tipo de mentalidade  hitleriana que se espalhou pelo mundo ou ficou trancada no armário desde  a época do ditador. Por racismo e preconceito o norueguês Anders  Behring Breivick pediu desculpas aos colegas de ideologia por só ter  matado 77 pessoas que não pensavam como eles, em vez de ter acabado com  todos.
  Um jogo de  futebol, que sempre foi considerado um esporte saudável, agora passou a  seguir, a sério, a música de Jackson do Pandeiro: “ Esse jogo não pode  ser um a um, se o meu clube perder, mato um!”. Hoje em dia, a parte da  torcida que perde, mata os torcedores do clube que ganha, como aconteceu  com as torcidas do Vasco, Flamengo e Fluminense.
  Não há mais  discussão em família. Se o pai não concorda com a mãe, por exemplo, saca  o revólver e dá um tiro nela por que a sopa estava fria ou outros  motivos parecidos. E o que dizer das escolas onde as crianças morrem com  tiros disparados contra elas sem saber por quê?
  Talvez vingança da professora de matemática , cuja matéria os alunos, ou parte deles, implicam.
  Então esses  assassinos são consultados por médicos que declaram que eles não são  loucos, mas têm apenas uma maneira diferente de pensar.
  Eu, que  pertenci à geração Paz e Amor, não que tenha participado dela, de  carteirinha, como muitos que desistiram da vida cotidiana e foram pra  Arembepe se drogar e olhar o mar, fiquei entre a paz e o Movimento  Estudantil contra a ditadura militar, mas nossa guerra também era pela  paz, contra torturas, prisões e  pela liberdade de pensamento.
  Quanta gente  deu a vida  por esses ideais nos anos 60, pra acabar nisso? Acaba a  ditadura e libera o ditador que vive em cada um de nós? É isso que é  liberar geral? Uma vida sem diálogos? A única coisa necessária é um  revólver no bolso e estamos combinados assim? Tem também o dinheiro que  substitui tudo: caráter, modo de pensar, jeito de agir.
  Já fui  assaltada oito vezes no Rio de Janeiro, do Leme ao Pontal. Mas continuo  andando de metrô ou mesmo de ônibus, se tiver que ir à cidade, por  exemplo. No metrô bato papo com todo mundo, gente que me conhece, gente  que nunca me viu, papo que, em geral, começa comigo perguntando ao  colega de banco onde devo saltar pra ir à rua tal.
  Quando volto de  ônibus pra casa, reparo em gente conhecida que finge que não me vê por  vergonha de estar num ônibus. Então, viram de costas, põem o jornal no  rosto ou mesmo  pensam em se atirar pela janela. Eu, não. Vou olhando a  rota da cidade a Botafogo que fazia no Buick do meu pai, pois tudo  naquela época era na cidade: médicos, dentistas, lojas. Então fiz uma  viagem ao passado, que começou na Colombo, depois peguei o ônibus e  fiquei olhando o Hotel Novo Mundo, a Praça Paris, que antigamente tinha  bichos esculpidos nas folhas das árvores, em volta do lago, passei por  aquele edifício cinzento que chamam de Dakota brasileiro, num estilo  eclético, o edifício Biarritz que amo até hoje, o Palácio do Catete, a  Igreja da Glória, linda em cima daquele morro, com exceção absoluta  daquele cabeção do Getúlio na entrada da praça, em baixo. 
  Qual é o sentido daquilo? O que faz ali?
  Talvez tenha seguido os conselhos daquela música de Carnaval que cantávamos nos bailes infantis:
  “Bota o retrato do velho, outra vez
  Bota no mesmo lugar
  Que o sorriso do velhinho
  Faz a gente se alegrar...”
  Será, meu Deus?
 Maria Lucia Dahl
 
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