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terça-feira, 30 de abril de 2013

Era uma vez…

Era uma vez uma vez em que esperou a vez
para poder dizer a si mesmo que era a sua vez.
E quando chegou a sua vez
não teve coragem para enfrentar a vez que lhe cabia.
E ficou à espera da próxima vez.
E quando ela veio já a sua vez tinha passado
e perguntou-se a si mesmo mais uma vez
se haveria uma próxima vez.
Há sempre uma próxima vez, – disse o ancião especialista no estudo das vezes.
A questão é se na próxima vez
diz e faz o que quer dizer e fazer
quando chegar a sua vez, no momento preciso da sua vez,
até mesmo antecipando-se à vez do outro
ou no momento exacto da sua vez.
Porque passada a sua vez pode ser tarde demais.
Porque, como o ancião diz, há sempre uma próxima vez,
mas essa vez, se calhar, já deixou de estar ao seu alcance
pelo simples facto do padrão estabelecido: adiar a vez.
Quantas vezes terei ainda a oportunidade para aproveitar esta vez?





A baleia livre

Uma baleia ficou presa numa rede. Enrolada em centenas de metros de corda… à volta do seu corpo, da cauda, do torso, da boca.
Pesava centenas de quilos e lutou e lutou para se manter à tona. Um pescador pediu ajuda pela rádio. Uma organização para proteção do ambiente apareceu em socorro.
Descobriram logo a precariedade da situação. A única maneira de salvá-la era com o apoio de mergulhadores, uma tarefa arriscada pois apenas uma pancada da cauda da baleia poderia matar um mergulhador.
A equipa de resgate trabalhou durante horas até que conseguiu finalmente libertá-la.
Depois de liberta a baleia parecia desenhar alegres círculos à volta dor mergulhadores. Parava em frente de cada mergulhador, um por um. Era como se a dizer “obrigado”. Alguns deles disseram que foi a experiência mais incrível em suas vidas. O homem que tinha cortado a corda, afirmava que os olhos da baleia não paravam de segui-lo. Afirmou mais tarde que, a partir daquele momento, a sua vida nunca mais foi a mesma.





Ensaio sobre o “Desejo”

Não sei onde originalmente a li, não sei onde a ouvi, sei o que senti.
Tenho-a escrita num pequeno caderno
onde recolho frases, citações, poemas,
que vou encontrando pelo caminho.
É a história de uma menina, menina apenas,
levando consigo o arsenal imenso
da sabedoria inocente:
A menina pergunta ao sábio:
- Como se chama o Desejo? Que nome tem?
Depois de uma longa viagem de busca intensa,
o sábio respondeu-lhe:
- O Desejo é aquilo tu mesmo chamas,
o Desejo é aquilo que te chama….
E o seu Nome? Só tu Lho podes dar.
Às vezes há um clarão que te assombra
e que te faz ficar quieta, em silêncio,
e, às vezes, faz com que tu avances.
Só te posso dizer uma coisa:
- Seguir o nome do Desejo
significa…
… chegar a casa





A nossa comunicação direta com o inconsciente



O inconsciente trabalha com muito mais variáveis que o consciente. Tem muito mais informação que a mente consciente para poder responder a uma situação complicada.
Se quer considerar a resposta do inconsciente nas suas decisões, pode utilizar um pêndulo.
1. Segure o fio do pêndulo entre os dedos e peça claramente ao pêndulo para lhe mostrar o movimento “sim”. Faça o mesmo para o movimento “não”. A resposta é tanto mais pura quanto a mente consciente estiver livre de pensamentos e tranquila.
2. Escreva a pergunta para a qual quer uma resposta de forma precisa e de modo que só permita uma resposta, ou sim ou não.
3. Segure novamente o fio do pêndulo tendo em mente a pergunte e deixe-se espantar com a resposta do pêndulo.
Pode acontecer que o pêndulo dê a resposta esperada, uma resposta inesperada e pode não dar resposta nenhuma. Parta do princípio que o pêndulo (o seu inconsciente) lá tem as suas razões.
J.F.




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Do amor

Na peça “César e Cleópatra”, escrita por Bernard Shaw, há um diálogo em que o autor mostra que o amor enlouquecido sempre está acima da própria justiça.
Cleópatra é acusada de mandar assassinar um egípcio chamado Potinus. Então ela se vira para o vitorioso general, e diz: “escute-me, César, meu amado. Se alguém na cidade de Alexandria lhe disser que eu agi erradamente, me oferecerei para ser crucificada na porta central do palácio”.
César responde: “se algum homem no mundo resolver afirmar que você agiu errado, ele primeiro precisa conquistar o mundo – como eu fiz. Se não fizer isto, será ele quem será crucificado na porta do palácio”.






segunda-feira, 29 de abril de 2013

Feridos por Amor

Todos os amantes, de qualquer sexo, ficam alertados que o amor, além de ser uma benção, é algo também extremamente perigoso, imprevisível, capaz de acarretar danos sérios.
Consequentemente, quem se propõe a amar, deve saber que está expondo seu corpo e sua alma a vários tipos de ferimentos, e não poderá culpar seu parceiro em nenhum momento, já que o risco é o mesmo para ambos.




Da luta

É impossível fugir de nossa luta interior. Não a evite, nem se torture com segredos; quem age assim, torna-se prisioneiro de si mesmo.
Mas não pense que a solução é trocar de cenário – mudando de mulher, de marido, de trabalho ou de casa. O que é preciso mudar é a maneira de encarar a vida.
Então, se mudanças radicais tiverem que ocorrer, ocorrerão naturalmente.
Não se iluda pensando que, ao trocar o que está fora, você resolve o que está dentro. Muito pelo contrário: você está mudando para um campo de batalha que não lhe é familiar, e que terminará causando mais problemas do que pensava.
“O que são as dificuldades?”, perguntou o discípulo.
“São como os caminhos e os rios”, respondeu o mestre. “Algo que nos faz seguir adiante”.




Do lobo

É evidente que precisamos de tolerância em nosso caminho. Não adianta ficar o tempo todo brigando com o mundo, só porque certas pessoas não respeitam a nossa busca ou o nosso sonho.
As coisas que nos são queridas, assim permanecerão para sempre – e às vezes, escutar uma opinião exatamente contrária a nossa, termina por enriquecer e esclarecer um ponto que nos parecia obscuro.
Entretanto, não podemos confundir tolerância com passividade. Nos pontos mais delicados, devemos estar seguros de nossa decisão e da capacidade de seguir adiante.
Uma pequena história da sabedoria árabe, anotada por Mansour Challita, nos recorda a melhor maneira de agir:
Um pastor disse ao seu pai: “ensina-me a bondade”. Respondeu o pai: “ser bom como o cordeiro, mas que a tua mansidão não faça o lobo tornar-se valente demais”.



Das coisas como elas são

É claro que nem sempre as coisas acontecem como queríamos que acontecessem.
Existem momentos em que sentimos que estamos buscando algo que não está reservado para nós, dando murros em portas que não se abrem, esperando milagres que não se manifestam.
Ainda bem que as coisas são assim – se tudo andasse como a gente quer, em breve não íamos ter mais assunto para escrever o roteiro dos nossos dias.
Quando estivermos diante de situações que não conseguimos ultrapassar, relaxemos. O universo, embora não consigamos compreender, continua trabalhando por nós em segredo.
Nestes momentos em que não podemos ajudar, prestar atenção as coisas simples da vida – no pôr do sol, nas pessoas que passam na rua, num livro – é a melhor maneira de colaborar com Deus.




Quanto vale um sim


Você consegue um bom emprego na hora em que bem entender?
Você descola um amor do dia para a noite?
Se entrar num banco, sai de lá com um empréstimo sem burocracia?
Se você respondeu sim para todas estas perguntas, parabéns. E fique atento para o horário do seu disco voador, pois a qualquer momento você terá que voltar para o seu planeta! Entre nós, terrestres, o SIM é uma resposta rara.
Na maioria das vezes, NÃO há vagas, NÃO querem editar nossos poemas, NÃO temos fiador, a garota NÃO quer ouvir uns discos na sua casa, o garoto NÃO quer usar camisinha e o guarda de trânsito NÃO foi com sua cara e vai multá-lo, sim senhor. NÃO está fácil para ninguém. Ao contrário do que se possa parecer, esta não é uma visão pessimista da vida. As coisas são assim, dão certo e dão errado. Pessimismo é acreditar que ouvir um NÃO seja uma barreira para realizar nossos sonhos. Tem gente que fica paralisado diante de um NÃO. Nunca mais vai à luta. Já o otimista resmunga um pouco e em seguida respira fundo e segue em frente.
Quando eu tinha 17 anos, mandei uns versos para um concurso de poesia.
Não ganhei nem menção honrosa. Daí entreguei meus versos para o Mário Quintana avaliar. Ele não respondeu. Neste meio tempo eu estava apaixonada por um cara que ignorava a minha existência. Quando eu não estava pensando nele, fazia planos de morar sozinha, mas o meu estágio não era remunerado. Aí quis viajar para a Europa, mas não consegui entrar num programa de intercâmbio. Surpreendentemente, não passou pela cabeça a ideia de me atirar embaixo de um caminhão. Hoje tenho 9 livros publicados (5 deles de poesia), sou casada com o homem que amo, tenho a profissão dos sonhos e viajo uma vez por ano, e tudo isso sem ganhar na Megasena, sem cirurgia plástica, sem pistolão ou pacto com o demônio.
O segredo: cada não que eu recebi na vida entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Não os colecionei. Não foram supervalorizados. Esperei, sem pressa, a hora do SIM.
O NÃO é tão frequente que chega a ser banal. O não é inútil, serve só para fragilizar nossa autoestima. Já o SIM é transformador. SIM muda a sua vida.
SIM, aceito casar com você. SIM, você foi selecionado. SIM, vamos patrocinar sua peça. SIM, a Ana Paula Arósio deu o número do celular dela. Quando não há o que detenha você, as coisas começam a acontecer, SIM!
Martha Medeiros




sexta-feira, 26 de abril de 2013

Do tradutor

Durante uma conferência em Toulouse, sou apresentado ao tradu­tor de meus livros para o sueco. Descubro que serviu como piloto na Inglaterra – durante a II Guerra Mundial.
Depois, resolveu mudar-se para Recife, onde viveu mais de vinte anos.
No jantar, me conta sua experiência nos campos de batalha da Europa:
“Na guerra descobrimos a ilusão do poder. Um general pode comandar milhares de homens e sentir-se o mais importante do mundo: mas esta sensação dura apenas até o momento em que ele dá a ordem de ataque. A partir de então, seu poder desaparece completamente – passa a estar nas mãos de soldados que nunca viu, de sargentos que não sabe o nome”.
“Um bom comandante sabe que o poder não existe. Sua capacidade reside em transformar muitas vontades diferentes em uma vontade única”.



quinta-feira, 25 de abril de 2013

A rua de gerânios



Numa rua cinzenta e triste de um bairro operário de Liverpool, uma mulher colocou um vaso de gerânios na janela. Dois dias depois, sua vizinha da frente por inveja, ou porque notou que os gerânios eram bonitos colocou dois vasos de flores.
Alguns trabalhadores, voltando para casa, notaram duas janelas diferentes. Suas mulheres, vaidosas, resolveram também comprar flores. Um mês depois, todas as janelas da rua tinham pequenos jardins.
Alguém pintou a fachada do lugar onde morava, já que a beleza das flores realçava a feiura do resto. O exemplo foi imitado.
Um ano depois, a cinzenta e triste Rua de Liverpool se transformou num modelo de urbanização. Hoje, cinco anos depois, o bairro inteiro está sendo modificado, com apoio da prefeitura.
Tudo porque, um belo dia, alguém colocou um vaso de gerânios na janela.





quarta-feira, 24 de abril de 2013

Das bênçãos


Duas coisas não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo. Num espaço ocupado pela amargura e pelo medo, as bênçãos não conseguem entrar. Mesmo que elas batam na porta, e mostrem a luz que carregam com elas, a porta não se abre.
A alma precisa estar limpa, para que as bênçãos se manifestem.
Por isso é preciso lavar a alma com esperança. Neste processo, nós nos lembraremos de velhas tristezas, e sofreremos de novo a mesma coisa – mas sabemos que as bênçãos estão chegando.
E um dos principais poderes das bênçãos é a capacidade de curar a dor.
Uma alma limpa é aquela que, apesar de tudo, não está conformada com a situação atual. Uma alma limpa é uma alma corajosa que, mesmo lutando contra as trevas, deseja encontrar a luz.


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Do tijolo


Dois sábios, que viviam na mesma ermida no deserto do Saara, conversavam um dia: “Vamos brigar para que não nos afastemos do ser humano”, disse um deles. ”Não sei como começar uma briga”, respondeu o outro.
“Pois façamos o seguinte: eu coloco este tijolo aqui no meio, e você me diz: “é meu”. Eu lhe responderei: “não, este tijolo é meu.”
Então começaremos a discutir, e terminaremos brigando”.
E assim fizeram. Um disse que o tijolo era dele. O outro contestou, dizendo que não. “Não vamos perder tempo com isto, fique com este tijolo,” disse o primeiro.
“Sua ideia para a briga não foi muito boa”, disse o outro, depois de alguns minutos. “Quando percebemos que temos uma alma imortal, é impossível discutir por causa de coisas”.


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segunda-feira, 22 de abril de 2013


Buda põe-se a filosofar sobre quatro tipos de cavalos:
- O excelente, o bom, o mau, e o péssimo.
O excelente cavalo põe-se em marcha antes mesmo de sentir o comando. O bom cavalo põe-se em marcha com um leve toque na garupa. O mau cavalo só se põe em marcha quando é chicoteado. O péssimo cavalo só se move quando sente a dor nos próprios ossos.



Os três dias

Mansour Hallaj foi um dos grandes místicos do Islã e viveu grande parte de sua vida no Iraque. Ele dizia que o homem é uma manifestação de Deus, mas seus trabalhos apresentavam algumas contradições com o que era oficialmente reconhecido na sua época.
Como resultado, terminou sendo acusado de blasfemar contra a religião e foi condenado à morte.
No dia da sua execução, um dos discípulos perguntou:
- Mestre, o que é o amor?
- Olhe com cuidado tudo o que acontecer comigo hoje, amanhã, e depois de amanhã – respondeu Hallaj. – Isso é o amor.
Naquele mesmo dia, ele foi morto.
No dia seguinte, queimaram seu coração.
No terceiro dia, espalharam suas cinzas, e nunca mais puderam recompor o coração de Hallaj.



Do perdão

Dois ex-presos políticos argentinos se encontraram, depois de muitos anos sem qualquer contacto. Sentaram-se num bar na Avenida de Maio e começaram a lembrar os anos negros da repressão, quando as pessoas sumiam sem deixar vestígio. A certa altura, um perguntou ao outro:
- Quanto tempo você ficou preso?
- Dois anos – foi a resposta. – Sofri torturas que nunca imagi­nei. Vi minha mulher sendo violentada na minha frente. Mas os responsáveis já foram presos e condenados.
-Ótimo. E sua alma já os perdoou?
- Claro que não!
- Então, você ainda continua prisioneiro deles.





Das definições

Dois mestres indianos e um grafitti definem o amor:
Osho: “Dar amor é a experiência real – no próprio sentido da palavra, porque você se comporta como um imperador. Implorar amor é uma experiência de mendigo. Não aja como um mendigo; seja sempre um imperador”.
Nisargadatta Maharaj: “o sofrimento vem do desejo. E o senti­mento de unidade nunca pode ser frustrado – que se frustra é o desejo de reconhecimento. Como todas as coisas puramente mentais, este desejo é uma armadilha”.
Escrito num muro em Buenos Aires (e anotado por Fabiana Ri­boldi): “Se amas alguém, deixa-o em liberdade. Se ele voltar, foi porque precisou. Se ele não voltar, foi porque precisou”.





Vida



Já perdoei erros quase imperdoáveis, tentei substituir pessoas insubstituíveis e esquecer pessoas inesquecíveis.
Já fiz coisas por impulso,

Já me decepcionei com pessoas quando nunca pensei me decepcionar, mas também decepcionei alguém.
Já abracei para proteger,
Já dei risada quando não podia,
Já fiz amigos eternos,
Já amei e fui amado, mas também já fui rejeitado,
Já fui amado e não soube amar.
Já gritei e pulei de tanta felicidade,
Já vivi de amor e fiz juras eternas, mas "quebrei a cara" muitas vezes!
Já chorei ouvindo música e vendo fotos,
Já liguei só para escutar uma voz,
Já me apaixonei por um sorriso,
Já pensei que fosse morrer de tanta saudade e…
…tive medo de perder alguém especial (e acabei perdendo)! Mas sobrevivi!
E ainda vivo!
Não passo pela vida…
e você também não deveria passar. Viva!!!
Bom mesmo é ir a luta com determinação,
Abraçar a vida e viver com paixão,
Perder com classe e vencer com ousadia,
Porque o mundo pertence a quem se atreve
E A VIDA É MUITO, para ser insignificante.





Charles Chaplin






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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Provavelmente Alegria, de José Saramago



Madrigal
Foi milagre? Ideia louca.
Mas que mais posso dizer
Desta profunda alegria
De ver a alma aparecer
No riso da tua boca?
Ainda se fosse a tua,
Entendia,
Mas a minha que faz lá?
Parece um caso da lua
(Tais coisas não são de cá)
Andar-me a alma contigo:
Foi milagre. Bem o digo.
(José Saramago, em "Provavelmente Alegria", 5ª ed., Editora Caminho, 1999)
 


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O menino que escrevia versos, de Mia Couto



De que vale ter voz
se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei?

(VERSOS DO MENINO QUE FAZIA VERSOS)
— Ele escreve versos!
Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha.
— Há antecedentes na família?
— Desculpe doutor?
O médico destrocou-se em tintins. Dona Serafina respondeu que não. O pai da criança, mecânico de nascença e preguiçoso por destino, nunca espreitara uma página. Lia motores, interpretava chaparias. Tratava bem, nunca lhe batera, mas a doçura mais requintada que conseguira tinha sido em noite de núpcias:
— Serafina, você hoje cheira a óleo Castrol.
Ela hoje até se comove com a comparação: perfume de igual qualidade qual outra mulher ousa sequer sonhar? Pobres que fossem esses dias, para ela, tinham sido lua-de-mel. Para ele, não fora senão período de rodagem. O filho fora confeccionado nesses namoros de unha suja, restos de combustível manchando o lençol. E oleosas confissões de amor.
Tudo corria sem mais, a oficina mal dava para o pão e para a escola do miúdo. Mas eis que começaram a aparecer, pelos recantos da casa, papéis rabiscados com versos. O filho confessou, sem pestanejo, a autoria do feito.
— São meus versos, sim.
O pai logo sentenciara: havia que tirar o miúdo da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más companhias. Pois o rapaz, em vez de se lançar no esfrega-refrega com as meninas, se acabrunhava nas penumbras e, pior ainda, escrevia versos. O que se passava: mariquice intelectual? Ou carburador entupido, avarias dessas que a vida do homem se queda em ponto morto?
Dona Serafina defendeu o filho e os estudos. O pai, conformado, exigiu: então, ele que fosse examinado.
— O médico que faça revisão geral, parte mecânica, parte eléctrica.
Queria tudo. Que se afinasse o sangue, calibrasse os pulmões e, sobretudo, lhe espreitassem o nível do óleo na figadeira. Houvesse que pagar por sobressalentes, não importava. O que urgia era pôr cobro àquela vergonha familiar.
Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado, o clínico se dirigiu ao menino:
— Dói-te alguma coisa?
—Dói-me a vida, doutor.
O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona Serafina aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo:
— E o que fazes quando te assaltam essas dores?
— O que melhor sei fazer, excelência.
— E o que é?
— É sonhar.
Serafina voltou à carga e desferiu uma chapada na nuca do filho. Não lembrava o que o pai lhe dissera sobre os sonhos? Que fosse sonhar longe! Mas o filho reagiu: longe, porquê? Perto, o sonho aleijaria alguém? O pai teria, sim, receio de sonho. E riu-se, acarinhando o braço da mãe.
O médico estranhou o miúdo. Custava a crer, visto a idade. Mas o moço, voz tímida, foi-se anunciando. Que ele, modéstia apartada, inventara sonhos desses que já nem há, só no antigamente, coisa de bradar à terra. Exemplificaria, para melhor crença. Mas nem chegou a começar. O doutor o interrompeu:
— Não tenho tempo, moço, isto aqui não é nenhuma clinica psiquiátrica.
A mãe, em desespero, pediu clemência. O doutor que desse ao menos uma vista de olhos pelo caderninho dos versos. A ver se ali catava o motivo de tão grave distúrbio. Contrafeito, o médico aceitou e guardou o manuscrito na gaveta. A mãe que viesse na próxima semana. E trouxesse o paciente.
Na semana seguinte, foram os últimos a ser atendi dos. O médico, sisudo, taciturneou: o miúdo não teria, por acaso, mais versos? O menino não entendeu.
— Não continuas a escrever?
— Isto que faço não é escrever, doutor. Estou, sim, a viver. Tenho este pedaço de vida — disse, apontando um novo caderninho — quase a meio.
O médico chamou a mãe, à parte. Que aquilo era mais grave do que se poderia pensar. O menino carecia de internamento urgente.
— Não temos dinheiro — fungou a mãe entre soluços.
— Não importa — respondeu o doutor.
Que ele mesmo assumiria as despesas. E que seria ali mesmo, na sua clínica, que o menino seria sujeito a devido tratamento. E assim se procedeu.
Hoje quem visita o consultório raramente encontra o médico. Manhãs e tardes ele se senta num recanto do quarto onde está internado o menino. Quem passa pode escutar a voz pausada do filho do mecânico que vai lendo, verso a verso, o seu próprio coração. E o médico, abreviando silêncios:
— Não pare, meu filho. Continue lendo...
 


Despedida, de Rubem Braga



E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.
Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.
Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.
A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.
(Rubem Braga, do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967, pág. 83)
 


 

De Lao Tsé


‎Aquele que conhece os outros é sábio.

Aquele que conhece a si mesmo é iluminado.
Aquele que vence os outros é forte.
Aquele que vence a si mesmo é poderoso.
Aquele que conhece a alegria é rico.
Aquele que conserva o seu caminho tem vontade.
Seja humilde, e permanecerás íntegro.
Curva-te, e permanecerás ereto.
Esvazia-te, e permanecerás repleto.
Gasta-te, e permanecerás novo.
O sábio não se exibe, e por isso brilha.
O sábio não se faz notar, e por isso é notado.
O sábio não se elogia, e por isso tem mérito.
E, porque não está competindo,
ninguém no mundo pode competir com ele.
(Lao Tsé)
 



 

Do rio

Do poeta Manuel Bandeira:
“Ser como o rio que flui
silencioso no meio da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las.
E se os céus se enchem de nuvens como o rio,
as nuvens são água;
refleti-las também, sem mágoa,
nas profundidades tranquilas”.




quinta-feira, 18 de abril de 2013

De profundis


Encontro, algures na minha natureza, alguma coisa que me diz que não há nada no mundo que seja desprovido de sentido, e muito menos o sofrimento. Essa qualquer coisa, escondida no mais fundo de mim, como um tesouro num campo, é a humildade. É a última coisa que me resta, e a melhor (…). Ela veio-me de dentro de mim mesmo e sei que veio no bom momento. Não teria podido vir mais cedo nem mais tarde. Se alguém me tivesse falada dela, tê-la-ia rejeitado. Se ma tivessem oferecido, tê-la-ia rejeitado (…). É a única coisa que contém os elementos da vida, de uma vida nova (…). Entre todas as coisas ela é a mais estranha (…). É somente quando perdemos todas as coisas que sabemos que a possuímos.

(Oscar Wilde, in “De Profundis”)



Do perdão


“A sociedade consegue perdoar o criminoso, e jamais perdoa o sonhador”, diz Oscar Wilde. Mas a lei universal nos obriga a sonhar. É importante estar sempre pensando nisto.
Não devíamos nunca perguntar ao outro: “o que você faz na vida?”. A pergunta de uma pessoa sensível é: “você está sendo fiel aos seus sonhos?”.
Ao dizer isto, colocamos no ar a responsabilidade de uma resposta. Obrigamos o outro a refletir sobre a importância de seus movimentos. Forçamos uma pausa na confusão cotidiana, e encaramos de frente a existência.
Ao perguntar, também precisamos responder.
Somos uma manifestação do pensamento de Deus. Ele espera que a nossa vida seja digna disso.




 
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